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Na noite de 25 e madrugada de 26 de Novembro de 1967, chuvas intensas abateram-se sobre a área da Grande Lisboa, provocando inundações e elevados prejuízos – cerca de 700 mortos, milhares de desalojados, estradas destruídas, campos alagados e aldeias submersas, entre outros graves danos.
As breves e devastadoras cheias de 1967, segundo o IPMA
Na noite de 25 e madrugada de 26 de Novembro de 1967, chuvas intensas abateram-se sobre a área da Grande Lisboa, provocando inundações e elevados prejuízos – cerca de 700 mortos, milhares de desalojados, estradas destruídas, campos alagados e aldeias submersas, entre outros graves danos.
De todos os desastres naturais, as cheias representam os de maior impacto social, não só pela perda de vidas humanas como pelos danos materiais que provocam. Em Portugal, as inundações e cheias constituem o risco natural de maior frequência e correspondem a cerca de 80 % das indemnizações por catástrofes naturais.
As cheias dependem da durabilidade e da intensidade da precipitação produzida pelos sistemas meteorológicos. Os principais sistemas que originam quantidades significativas de precipitação no período de Outono/Inverno em Portugal continental são sistemas frontais, depressões, fluxos com componente perpendicular à orografia e corrente perturbada de Oeste.
Nos dias 25 e 26 de Novembro de 1967, uma depressão fria com características subtropicais provocou consequências devastadoras na região metropolitana de Lisboa – especialmente nos municípios de Lisboa, Loures, Odivelas, Vila Franca de Xira e Alenquer. Vamos conhecer pormenores desta tragédia, alguns deles abafados à altura pelo regime.
Situação Meteorológica
Uma depressão fria centrada na região da Madeira, onde permaneceu durante vários dias, terá adquirido características subtropicais, aumentando a temperatura do ar e o conteúdo em vapor de água e deslocando-se em seguida para Nordeste em direcção ao continente.
Às 12 horas (UTC) do dia 25, encontrava-se já muito próxima da costa alentejana (figura 1), deslocando-se posteriormente para a região de Lisboa onde provocou precipitação intensa no final do dia 25 e início do dia 26.
Figura 1. Análise de superfície (subjectiva) do campo da pressão para as 12 horas (UTC) de dia 25 Novembro de 1967.
A análise das cartas de altitude aos 500 hPa do campo do geopotencial para às 12 horas do dia 25 (figura 2) mostra uma configuração típica de gota fria com a circulação fechada do tipo ciclónico desprendida da corrente principal mais a Norte. Com cerca de 1.008 hPa no centro esta depressão exerceu a sua acção durante 20 horas na região da Estremadura e parte do Ribatejo, dando origem a grandes quantidades de precipitação.
Assim, na noite de 25 e madrugada de 26 de Novembro de 1967 a passagem deste sistema de baixa pressão, caracterizado por uma forte convecção e forte instabilidade, associada a uma atmosfera rica em vapor de água, traduziu-se num evento extremo cuja quantidade de precipitação registada num período de 4 a 9 horas foi compatível com um período de retorno superior a 100 anos.
Figura 2. Análise dos 500 hPa (subjectiva) do campo do geopotencial para as 12 horas (UTC) de dia 25 de Novembro de 1967.
Precipitações elevadas e intensas
Na figura 3 (abaixo), apresenta-se a distribuição espacial da quantidade de precipitação em 24 horas no dia 26 de Novembro (das 9 horas do dia 25 às 9 horas do dia 26). Verifica-se que, na área da Grande Lisboa, os concelhos mais afectados e com os maiores valores de precipitação foram Cascais, Oeiras, Amadora, Odivelas e Loures e um pouco mais a Norte Vila Franca de Xira, Alenquer e Cadaval.
Por sua vez, os maiores valores de precipitação registados em 24 horas, entre as 9h do dia 25 e as 9h do dia 26 de Novembro, ocorreram nas estações de Oeiras / Sassoeiros, Monte do Estoril e Paiã, com valores superiores a 150 mm (170 mm, 158.3 mm e 150.8 mm, respectivamente).
Figura 3. Distribuição espacial da quantidade de precipitação no dia 26 de Novembro em Portugal Continental (esq.) e na região mais afetada (dir.).
Quando se analisa períodos mais curtos, verifica-se que foi apenas num período de cinco horas que ocorreram os maiores valores de precipitação. Assim, merece particular relevância a grande intensidade da precipitação, em particular no período de uma hora e em cinco horas na noite de 25 de Novembro.
Figura 4. Valores horários da quantidade de precipitação (mm) entre as 9 horas do dia 25 e as 9 horas do dia 26 de Novembro de 1967.
Em cinco horas, a estação de São Julião do Tojal registou 110.6 mm (entre as 19 e as 24h), tendo tido um pico de 30 mm entre as 22 e as 23h na noite de 25 de Novembro (figuras 4 e 5).
Nessa noite, destaca-se os 60 mm no Monte Estoril, entre as 21 e as 22h, e os 135.1 mm em cinco horas (entre as 18 e as 23h). Foram também registados em uma hora 42 mm em Sassoeiros e 33 mm em Sintra / Pena.
Figura 5. Valores da quantidade de precipitação (mm) em 1 hora, 5 horas e 24 horas entre as entre as 9h do dia 25 e as 9h do dia 26 de Novembro de 1967.
Os impactos
A elevada quantidade de precipitação originou neste evento cheias rápidas (flash floods). No entanto, o que o tornou num dos mais mortíferos em Portugal, foi a construção inadequada em leitos de cheia, a coincidência com a hora de pico da maré alta e ter-se registado durante a noite, quando a população se encontrava a dormir.
A maior parte das vítimas – residente ao longo de bacias de pequenos rios e ribeiras da região, muitas em habitações precárias e clandestinas – foi apanhada durante o sono, o que se traduziu num aumento substancial de mortos e desalojados. De acordo com as notícias da época, havia prédios em ruínas, carros arrastados, barracas desfeitas, animais afogados, milhares de desalojados e centenas de mortos.
Devido à censura da altura do governo fora da área de Lisboa, poucos portugueses se aperceberam da dimensão das cheias de 1967. A comissão de censura do regime escondeu o número de mortos e os impactos causados.
Os dados oficiais apontavam para 250 vítimas mortais. Estes números apresentados pecam por defeito e após a revolução de Abril muitos especialistas tentaram perceber o verdadeiro impacto desta cheia e saber o número de fatalidades. Segundo Catarina Ramos e Eusébio Reis (2001), estima-se que mais de 700 pessoas tenham morrido durante este evento. No entanto, dois aspectos chamaram à atenção após estas cheias: a grande pobreza em que as populações da região de Lisboa viviam e a quase ausência de meios de socorro.
OUTRAS Curiosidades
Nos dias que se seguiram às inundações, as notícias eram transmitidas sobretudo de boca em boca e pela comunicação social, embora, com supervisão por parte dos serviços da censura. As redacções dos jornais receberam telegramas e telefonemas com orientações sobre o que se deveria escrever.
O regime tentou minimizar os impactos das chuvas, mas as suas repercussões atravessaram fronteiras e desencadearam um movimento de solidariedade internacional. Chegaram a Portugal donativos dos governos britânico e italiano, do Principado do Mónaco e até o chefe do Estado francês, o general De Gaulle, contribuiu com uma "dádiva pessoal" de 30 mil francos (900 euros, no câmbio da época). O apoio em meios sanitários veio de França, Suíça e sobretudo de Espanha, que ofereceu mil doses de vacina contra a febre tifoide.
Referências:
Amaral, I., 1968. As inundações de 25/26 de Novembro de 1967 na região de Lisboa. Finisterra, Revista Portuguesa de Geografia, 3(5): 79-84.
Leite, F., Simões, I., Lopes, M.J., Guerreiro, R., Pires, V.C., 2001. Cheias em Portugal Continental. FCUL. Lisboa.
Ramos C. & E. Reis, 2001. As cheias no sul de Portugal em diferentes tipos de bacias hidrográficas. Finisterra, Revista de Geografia Portuguesa, 36(71): 61-82.
Ricardo M. Trigo et al., 2016. The deadliest storm of the 20th century striking Portugal: Flood impacts and atmospheric circulation. Journal of Hydrology.
Silvério F. G., 1975. Contribuição para o estudo da cheia da região de Lisboa em 25-26 de Novembro de 1967. Serviço Meteorológico Nacional, Lisboa.
Cheias de 1967. Notícia no site do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I.P.
Nunca choveu tanto como em 67. Reportagem no Diário de Notícias.
* Este artigo foi escrito no âmbito de uma parceria de comunicação de Ciência estabelecida entre a National Geographic Portugal e o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I.P.