Autor. Correia de Morais
Edição do Autor. 1973
Júlio
Augusto Correia de Morais faleceu a 19 de Setembro de 1989. Duas
actividades principais o ocuparam profissionalmente: a pintura e a
escrita. Da escrita falam os quatro livros publicados (e outros tantos
se mantêm inéditos): Crónicas da Costa do Sol (1969), Crónicas do Meu Mundo Louco (1973), O Meu Dono e Eu (1989) e O Céu Precisa de Gente (1990).
Sarcástico até mais não, escalpelizando o mundo fútil que o rodeava,
mormente no concelho de Cascais, onde viveu as últimas décadas da sua
vida, esse livros constituem, ainda hoje, motivo de saborosas risadas –
como as proporcionavam as crónicas que, durante anos, semanalmente
assinou no jornal A Nossa Terra e, depois, n’O Dia.Industriou-se
na pintura a espátula, numa altura em que esse género ainda não era
nada corrente. Nos seus quadros retratava a serenidade que, na escrita,
não havia. Dir-se-ia que nos seus recantos de floresta, com um fio de
sol a resplandecer; nas suas plácidas marinhas bebidas no largo diálogo
com o mar do Guincho; nas suas naturezas mortas, onde sempre vicejavam
pétalas… era um outro Correia de Morais, a reclamar quietudes, a
retratar o encanto daquilo que a Natureza nos permite contemplar…Quase
17 anos passados sobre a sua morte, reunidos quadros que andavam
dispersos, Toni Muchaxo acolhe na sua Estalagem – onde Correia de Morais
muitas tardes passava a escrever e a sonhar… – a última exposição do
artista, correspondendo, assim, não apenas a um desejo da filha, Júlia
Amélia, mas também – e sobretudo – aos pedidos de muitos dos que
apreciaram a obra do artista e que dele gostavam de ter mais uma
recordação.
Correia de Morais com a sua filha. |
PERFIL DE UM ARTISTA
Por: José d’Encarnação (Arqueólogo e Professor da Universidade de Coimbra)
"Pintor,
jornalista, poeta, escritor e colunista político de exaltado
patriotismo e terrível irreverência, não deve perguntar-se o que é
Correia de Morais, por sempre ser aquilo que quer ser e constantemente
nos surpreender pela espantosa versatilidade. Nascido lá para as faldas
do Marão em fidalgo morgadio, e tendo estudado em Vila Real e no Porto,
parecia destinado a um futuro de lavrador transmontano, quando a sua
inquietude e inconformismo o levaram a abandonar tudo, para se lançar
numa aventura que ainda prossegue e o marca indelevelmente.
Arribado
a Lisboa, e sem preparação para a luta pela sobrevivência, atravessou
tempos difíceis, até que um anúncio de acaso o levou à decoração para
filmes, onde teve a sorte de colaborar com Leitão de Barros e com o
grande mestre Manoel Lima, que logo o descobriram como artista nato.
Frequentou os mais importantes centros artísticos de Lisboa e trabalhou
com os melhores cenógrafos da América Latina. Mas sempre indomável e
inquieto, encontrado o seu destino isolou-se, e deu início à grande
aventura das artes e das letras.
Realizou
a primeira exposição nos salões da Aliance Française, e desde logo se
tornou conhecido. Então, como que explodiu, e durante três anos pintou
Portugal de norte a sul, expondo no Porto, Viana do Castelo, Coimbra,
Guimarães, Évora, Beja e Santarém. Foi expor a Espanha, França, Itália e
Inglaterra, e os seus quadros invadiram a Europa e transbordaram para a
América do Norte, estando representado no Museu de Arte Moderna de Nova
Iorque, nas principais galerias francesas e inglesas e em todas as
grandes coleções de Portugal.
Regressado
a Lisboa, criou a Galeria Artistas Reunidos, chamando a si todos os
artistas desamparados da Grande Cidade, e dando-lhes companheiros
ilustres e famosos, como Almada Negreiros, Teixeira Lopes, Besugo,
Quintino Correia e tantos outros. E em breve a Artistas Reunidos ganhou
fama e se transformou em tertúlia de artistas e intelectuais, atraindo a
atenção da polícia política de Salazar, que viria a encerrá-la. Correia
de Morais reagiu violentamente a tal prepotência e de um dia para outro
surgiu como cronista social de espírito irreverente e cáustico,
Publicou dois livros de crónicas impiedosas e conquistou o grande
público. Mas para sempre regressar à pintura, pela necessidade de dar
voz à sua alma transmontana e emprestar imagem à constante inquietação
de espírito-sentimento.
Porque
é incomum e diferente, Correia de Morais dificilmente caberá na
estreiteza de uma ligeira anotação de perfil, já que como pintor recusou
o tradicionalismo, fazendo-se mágico da espátula, pintando como só ele
as suas maravilhosas árvores e forçando a natureza a um diálogo
sentimento que se adivinha e quase se escuta, entretanto que, como
escritor, nos manobra a seu talante, fazendo-nos rir ou chorar.
Artista
e escritor versátil, temperamental, imprevisível e polémico, Correia de
Morais é um dos personagens da nossa galeria íntima de fabulosos,
tendo-nos conquistado a amizade de que somos capazes e muita, muita
admiração pelo seu talento."
CORREIA DE MORAIS, faleceu em 19/10/1989 na Inglaterra.INDISPONÍVEL