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11/05/2024

CARTUCHEIRA DE RECORDAÇÕES ( Episódios de Caça )

 


Autor. Manuel Mucharreira

Edição. ano de 1998

Nota: Livro de 385 páginas + índice.



( ... ) O sol, avermelhado, tinha rompido naquela manhã de Agosto. 0 tempo estava quente, não corria a mais leve brisa.
0 silêncio era apenas cortado pelo chilrear da pardalada que, num campo de restolho, procurava os bagos de trigo que a ceifeira tinha deixado.
Tudo se conjugava para uma boa movimentação de rolas.
Junto a uma oliveira estava montada uma choça e, por detrás dela, um caçador aparentando cinquenta anos bem puxados.
 Era atarracado, calvo, cara abolachada, peitaça larga coberta por espessa camada de cabelame negro. Era o Pedro, mais conhecido por Pedro Calãozinho, alcunha bem posta porque, em toda a sua vida, nunca levantara uma palha.

À esquerda encontrava-se armado novo abrigo, este pertença de outro personagem:
 0 José Pendurado" criatura sobejamente conhecida no meio venatório local. Solteiro, quarenta anos, era o prototipo do chamado caçador rastejador. Começara desde miúdo. A fisga foi a sua primeira arma.
Seco de carnes, leve, ágil, subia as árvores a cata dos ninhos, pendurando-se por vezes no mais frágil galho, a fim de conseguir os seus intentos. Desde então ficou conhecido pelo Pendurado. 

Era o inimigo numero um dos pombos caseiros das redondezas. Logo que descobria a "comida", caía-lhes em cima , em poucos dias, dizimava-os completamente.
Nessa manhã o Calãozinho, amigo da "sorna" matinal, desempernara-se da mulher com relativa facilidade o que, diga-se de passagem, não era muito vulgar.
Brincalhão por natureza, trazia uma na manga que lhe afastara o sono. Na véspera à noite, carregara dois cartuchos especiais, providos de buchas de altura reduzida e fortemente atacados de penas de rola.
Agora esperava, com paciência infinita, que o amigo Pendurado abandonasse a choça, a fim de satisfazer as imprescindíveis necessidades fisiologicas.
Estava na hora. 0 nosso homem abandonou por fim o abrigo, abriu a espingarda pousando-a cautelosamente no solo, caminhou direito a um frondoso sobreiro, situado a algumas dezenas de metros e desapareceu por detrás da ramagem.
 Confirmada a ausência do confrade, o Calãozinho, matreiro, levantou-se, sacudiu as moscas que matavam a sede no suor do seu rosto e, depois de embolsar os cartuchos especiais, dirigiu-se ao abrigo vizinho.
 Uma vez ali, tão rapidamente quanto possível, procedeu à troca das munições:
A espingarda do amigo tinha agora nos canos duas enormes cargas de penas.
A seguir voltou ao sitio primitivo, esfregando as mãos de contente, satisfeito consigo próprio. Era tempo.
0 Pendurado aproximava-se, dirigindo-se para ele, bem disposto, prazenteiro, com a tripa despejada.
Debaixo do sobreiro, onde pouco antes estivera agachado, ficara a trampa fumegante.

- Então, tem passado alguma coisa? - inquiriu, ao mesmo tempo que acertava a fivela do cinto no sitio certo.
 O Calãozinho carregou o sobrolho, numa expressão triste: - Apenas uma e fora de tiro!

O "Zé" chegou por fim ao resguardo. e pegou na "escopeta", fechou-a e destravou. "Que rica arma!"  Pensou, afagando-lhe o fuste - "Como ela juntava, santo Deus! Pombinho pousado a cinquenta passos era canja...! E que ricas canjas elas faziam!"

Estava já enfiado no abrigo, mirrado, boina sobre os olhos, a fim de evitar o sol nascente. Astuto, dotado duma paciência sem Limites, 0 Pendurado esperava. Alguns minutos depois, um assobio ténue, quase imperceptível, entrou-lhe nos tímpanos... Fora o Pedro Calãozinho quem dera o alarme: "rola a vista!"

O outro nem pestanejou. Serenamente, levou o "ferro" à cara, deixou cair a pálpebra do olho esquerdo e esperou a "entrada".
 A "penosa" vinha mesmo direitinha... Contra a luz frontal que o incomodava, arregalou o olho direito, fixou o alvo cuidadosamente e accionou os gatilhos.

Dois estampidos secos da "Nacional" fizeram-se ouvir.

A pardalada pôs-se nas asas, dispersando.
 Das goelas dum gaio assustado, saiu um berro aflitivo.
 No ar uma enorme nuvem de penas. Através dela, o "Zé" verificou pasmado que um vulto, sem duvida o da rola continuava voando.
 Aquilo era demais! Com duas "caqueiradas" no lombo, quase depenada, e safou-se! Nunca na sua vida lhe sucedera tal coisa! 

Olhos esbugalhados, vermelho pela emoção, o Pendurado gritou, com toda a força dos seus pulmões:
- Viste, Calãozinho, viste? A malvada largou a roupa toda e foi-se embora!


“in Carga Forte”





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