Autor. José Álvaro Lopes
Edição de Autor.2002.
Este livro está acompanhado de uma amável dedicatória do autor.
«Ao
longo da costa oriental do continente africano estende-se um país
- Moçambique - antiga Província Ultramarina portuguesa e hoje país
independente. Aqui, existe uma cidade -Inhambane- a cuja baía as naus de
Vasco da Gama aportaram em 1498 na viagem da descoberta do caminho
marítimo para a índia. Era a primeira vez que um europeu era visto pelos
indígenas da região que, ao contrário do que era suposto, se mostraram,
não só pacíficos mas cooperantes com os homens da frota do grande
capitão, o que lhes mereceu a designação de "Terra da boa Gente", que
conservaram através dos tempos.
É uma cidade cujas características
especiais a tornaram diferente de todos os outros aglomerados
populacionais estabelecidos ao longo da extensa costa. Situa-se numa
península formada por uma área de terreno entre o mar e uma baía, esta
com cerca de 25 quilómetros de extensão a partir da barra. Quem ali
chegava por terra, viajando ao longo da estrada que a liga à Capital, -
ao tempo, Lourenço Marques - percorria uma pequena distância , tendo à
sua esquerda a vista do panorama formado pelas águas azul-turquesa da
baía, riscadas pelas linhas verticais dos troncos das palmeiras que a
marginam e do lado oposto uma povoação de nome Maxixe. A primeira
impressão que se sentia ao entrar na cidade era a de que nos
encontrávamos num lugar aprazível e acolhedor. Esta sensação era-nos
transmitida pelo aspecto de asseio e ar cuidado em que as ruas eram
mantidas, limpas e alcatroadas e edifícios com aparência de terem
recebido os benefícios de pintura recente. Era agradável ainda notar que
as áreas relvadas e canteiros de flores mereciam os cuidados e atenção
frequentes dos jardineiros encarregados da sua manutenção. Outra
circunstância que tornava a cidade atraente era o facto de fazer parte
da paisagem a baía, ilustrada pelo pontuado das velas brancas dos barcos
que faziam a travessia para a outra margem, transportando pessoas e
mercadorias. Esta particularidade trazia-lhe o benefício de horizontes
amplos, desafogados, que contribuíam enormemente para a atracção do
conjunto.
Era a esta terra que chegava, ele, o imigrante, exilado
voluntário; terra que escolheu para sobreviver e lutar, na esperança de
colher os benefícios que resultassem do seu esforço, aquilo que a muitos
era negado na sua Terra Natal. Mas não esqueceu o cantinho que deixou
numa esquina da Europa, e onde volta, logo que lho permita o prémio
ganho pelas actividades e energia despendidas nos seus afazeres, a
minorar saudades de ver novamente os lugares que o viram nascer e criar,
e que lhe sorriem, como convidando-o a sentar-se novamente à sombra do
carvalho frondoso, a contemplar a paisagem que tinha levado gravada na
alma quando dali se afastou.
Em tempos idos, Inhambane tinha sido um
porto de mar para exportação dos produtos principais da sua agricultura -
algodão, amendoim, copra e outros - transportados pêlos barcos
costeiros para a Capital, onde eram transferidos para os barcos de longo
curso. Em resultado desta actividade, uma linha de caminho de ferro com
a extensão de apenas uns 80 quilómetros, transportava do interior os
produtos para o porto de mar. A linha chegando à cidade, atravessava
esta, correndo ao longo da avenida principal, do lado Sul, cerca de 3
metros afastada das casas, mas dificilmente se notava a sua existência
por ser coberta pela relva de um tabuleiro, um pouco alteado, que também
corria no mesmo sentido.
Em 1956 a linha tinha caído em desuso por falta de produtos a transportar.
A
pequena comunidade que ali vivia e trabalhava era constituída, naquela
época, por umas centenas de pessoas que, sem contar com os naturais, se
dividiam em três grupos étnicos principais: europeus, indianos e
muçulmanos, em perfeita harmonia de convívio e respeito mútuo.
Ali
permaneci cerca de 20 anos, -1956/1976 - . É deste período que vou
procurar registar os episódios que mais relevância tiveram no decurso
daquele espaço de tempo em que vivi nessa encantadora pequena cidade ,
acontecimentos em que tomei parte, a que assisti, ou de que tive
conhecimento.
Atingi uma idade que me faz sentir a urgência de
escrever as minhas memórias, pela impossibilidade de repetição dos
acontecimentos com o mesmo interesse dos que me fizeram sentir aquilo a
que chamarei a pirâmide da minha vida, cujo vértice virá a ser
inexoravelmente atingido, com toda a probabilidade de não se situar a
muita distância no tempo. (Nasci em 1917).
A profunda nostalgia
desses acontecimentos e lugares onde decorreram e por onde me ficou
presa a alma, levou-me à decisão que tomei de partilhar essas memórias
com os meus semelhantes e amigos queridos, cuja convivência contribuiu
para fazer de mim um homem feliz, durante o espaço de tempo em que
tiveram lugar, enquanto me é possível coordenar duas ideias. Toda esta
cavalgada de recordações mantém-se fresca nos meus sentidos, pela
intensidade com que foram vividos os factos narrados. *
* Prólogo
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