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01/04/2024

AS ALEGRES CANÇÕES DO NORTE

 
Autor. Alberto Pimentel.

Génese das canções
 
«O povo das nossas províncias do norte é, pelas condições da sua mesma existência, resignado, trabalhador e pacifico. Por isso as suas canções são alegres como as dos pássaros : refletem, sobre um nítido fundo tradicional os aspectos luminosos, variados,  da natureza.
 O Minho, a província mais setentrional do país, deve servir-nos de tipo na caracterização psicológica do povo do norte.
 
 Foi n’esta província que primeiro pulsou a alma portuguesa.
 Foi aqui, n’uma nesga de chão desmembrado da Galiza, que se desenrolaram os mais remotos preliminares da nossa independência. É, portanto, aqui, que devemos procurar os vestígios primitivos d’esse espírito de nacionalidade, que depois de nos ter feito livres nos tornou grandes. 
 
Por cima do rio Minho passaram as correntes poéticas do sentimento seguindo o caminho das correntes étnicas, e trazendo um vago perfume d'esse longínquo lirismo provençal, que depois se aristocratizou nos cancioneiros dos trovadores galaico - portugueses. 
 
O povo recebeu a impressão trovadoresca, identificou-se com a essência subjetiva das gaias canções, especialmente com a intenção amorosa dos cantares d’amigo, mas repeliu o metro d’arte maior, porque a versificação nasce espontaneamente do génio rítmico da língua.
Os aspetos da natureza, as condições museológicas, favoreceram a aclimatação de todos os elementos ideais e pitorescos; dir-se-ia que os montes e os vales abriram carinhosamente os braços para acalentar com maternal desvelo as primeiras emoções da alma nacional. 
Quando, batendo as asas, chega a Lisboa uma canção que derrama gorgeios, que vive, palpita e parece bailar no azul, podemos afirmar que ela chega do claro rincão do Minho, como ave de arribação que emigra cantando. 
 
Sempre que passa sobre os muros da capital, essa canção em viagem, vibrante de folia aldeã ou de vigor coreográfico, como por exemplo, … ora vai tu, risca ao lado e a caninha verde, parece trazer consigo e mostrar-nos de longe, voando sempre, um trecho da fugidia paisagem do Minho, aberta em sorrisos, suspensa das suas azas sonoras. 
É um relance de sol que passa e foge; que não chega a penetrar no repertório alfacinha, onde apenas o Fado se entronisou com todo o seu cortejo de soluços e lágrimas. 
 
O povo de Lisboa não se afeiçoa ás canções do norte, que se lhe afiguram vindas de outro país muito diferente; e a Caninha verde, quando dançada no palco pelas actrízes da capital, é um produto exótico, desnaturado, amortecido.
Para compreender e sentir as canções do norte é preciso ir colhê-las na origem. Então, a par dos fatores étnicos, a própria natureza se encarrega de explicá-las. 
A terra é verde e fecunda; produz sorrindo. Paga bem a quem a trabalha. A agua corre saltitante no vale e no monte. Os rios são cristalinos e amenos. 
A vegetação baralha, n’uma prodigalidade magnificente, todas as graduações da verdura. Só Deus podia ser o joalheiro capaz de compor unicamente com a esmeralda um colar de tão diversos tons, substituindo a monotonia pela variedade.
 Aonde não chega a seara nem a vinha, está o pinheiral aveludado, o mato florido. No cimo dos montes, onde o granito toma o lugar do húmus, a aridez da pedra é adoçada pela ermidasinha branca, cheia de luz e de fé. A propriedade, dividida e pequena, não cria invejas nem ódios. 
 
Parece sujeita a um regime de igualdade, que produz este notável facto económico: não haver ricos, nem pobres. Há apenas proprietários remediados. 
 
As grandes herdades do Alentejo, os grandes vinhedos da Extremadura não chegam a ser compreendidos pelo lavrador minhoto, que constantemente ouve cantar o galo no quintal do vizinho. 
Frequentemente sucede encravarem-se umas nas outras as terras de diferentes donos, em retalhinhos, em fracções, n’uma paz octaviana, que só costuma ser perturbada pela disputa sobre a agua de rega. 
 
Estes litígios originam-se na própria promiscuidade das terras, que se confundem e misturam, de modo que se não sabe bem quando a agua é d’este proprietário ou de outro, porque parece ser de todos».
 
 

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