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09/03/2024

FEITICEIROS, PROFETAS E VISIONÁRIOS. Textos Antigos Portugueses .

 




Autor. Vários
Selecção de Yvonne Cunha Rêgo


Há, ainda hoje, quem continue à espera do “Enviado” para resolver os problemas TODOS, do país e de cada um.

O sebastianismo permanece, talvez escondido atrás das rezas a Nossa Senhora de Fátima ou de Aparecida, animado por uma velinha lá num altar, ou... para que, com um toque de mágica, acabe com a desgraça que vai crescendo mundo fora.

O primeiro fingido a manifestar-se foi El-Rei D. Filipe I de Portugal no ano de 1582, mandando vir de Ceuta um corpo que lá esta­va depositado, dizendo ser o d’El-Rei D. Sebastião e o enterrou no Real Convento de Belém, em a capela que está no Cruzeiro, da banda da Epístola e achando-se o dito Rei D. Filipe pessoalmente a todas estas cerimónias.

Com isto esperava acabar com a esperança dos portugueses no regresso do seu rei e assim não vir a ter problemas futuros.

O segundo foi chamado Rei de Penamacor, porque em Penamacor fez o fingimento e aí o prenderam, o qual foi trazido a Lisboa onde foi condenado a galés; e indo em uma que da conserva da armada que de Espanha foi contra Ingla­terra, no ano de 1588, se salvou na costa de França, o qual era homem vil; a Sentença foi no ano de 1584.

O terceiro fingido foi chamado Rei da Ericeira, o qual era um oficial de pedreiro, natural da Ilha Terceira e achan­do-se naquelas partes da Ericeira, um Pedro Afonso, lavra­dor rico e morador em Rio Mouro, agasalhando-se o pedreiro em sua casa e estando de noite fazendo oração a voz inteli­gível, entre outras palavras disse estas: - Deus Senhor perdoai-me meus pecados, e o haver sido a causa de tantos males como fui.

Era Pedro Afonso curioso e nesta ocasião estava espreitando o seu hóspede e em lhe ouvindo estas últimas palavras, por elas inferiu e por elas entendeu ser o tal homem o mesmo Rei D. S.; e obrigado desta ilusão ou desta tentação do Demónio, se foi logo a ele e deitando-se-lhe a seus pés lhos beijou muitas vezes e lhe disse que ele era o próprio Rei D. S. Defendeu-se o pobre homem com a ver­dade e desenganos dela; não bastando todas as diligências de suas afirmações contra o ateimado Pedro Afonso, antes cada vez mais firme e mais furioso na sua teima até que o pobre de perseguido veio a conceder na bestial vontade daquele que falsamente o autorizava tanto. Pelo que Pedro Afon­so ficou logo sendo seu Secretário, seu Conselheiro e seu valido, que até com os reis fingidos têm valimento os maus secretários. Convocaram os saloios de todos aqueles contor­nos e só saloios lhe assistiram. Foi este sucesso no ano de 1585. Foram sobre eles os soldados do presídio de Lisboa e desbaratando aos saloios prenderam ao falso Rei e ao seu Pedro Afonso e trazidos a Lisboa, nela foram enforcados e esquartejados. Chamava-se Mateus Alvares era filho de Gas­par Alvares, outro pedreiro.

FGA-Falsos D. Sebastiões 1

O quarto fingido foi o pasteleiro de Madrigal, chamado Ga­briel de Espinosa, por amor do qual foi justiçado o Pe. Miguel dos Santos.

O quinto fingido é o nosso calabrês Marco Túlio. O que sucedeu desde o ano de 1600. O qual por sentença d'El-Rei D. Filipe, o Bom, foi deitado a galés, por amor do qual Marco Túlio é que foi justiçado o Pe. Fr. Estêvão Caveira de Sampaio. Deste é que escreveu D. João de Castro alguns livros cheios de muita patarata, enganando-se a si, enganando muitos e querendo enganar todos. Com o que abalou a maior parte dos portugueses, que sempre o número dos néscios é maior, para o que muitos contribuíram com quantias de dinheiro consideráveis; e alguns por requisitarem de maiores e mais finos amantes, pessoalmente foram ver a Veneza a quem tanto desejavam ver em Portugal. O de que mais me espanta é de haver feito esta jornada e com consideráveis despesas nela o Cónego da Sé de Lisboa, António Tavares de Távora, Esmoler-mor, um sujeito de tão boas partes, que a de ser fidalgo era nela o menor; porque assim como no corpo era grande, o que era também na sisudeza e na virtude. Serviu-lhe isto de label pelo qual os reis Castelhanos D. Filipe, o Bom e seu filho, lhe não deram nunca mitra nem outro algum acrescentamento, antes preferiram muitos, por que razão e justiça os devia ele preferir. Enfim, veio a morrer consolado com ver a aclamação d'El-Rei D. João IV e lograr por algum tempo a vista de Rei Português, que era o que ele mais desejava; mas a morte lhe atalhou os aumentos e melhoras a que estava a caber em primeiro lugar de todos os barretes, que naquele tempo havia neste Reino. A sua Conezia é a melhor de todas as de Lisboa, nem há outra que com ela possa compe­tir; porque sendo a venda ordinária de cada uma de 500.000 réis até 600, quando mais, esta passa sempre de três mil cruzados e muitas vezes chega a quatro. Sucedeu-lhe nela seu sobrinho Pedro de Távora, por cuja morte a deram a D. Simão da Gama, filho do Marquês de Niza. Esta Conezia é da apresentação dos senhores de Mafra e Soalhães a qual casa está hoje unida com a do Visconde de Vilanova de Cerveira.

O sexto fingido foi aquele chamado o Peregrino de Tomar, no ano de 1632. Neste dito ano, em uma quarta-feira, chegou à Vila de Tomar aquele notável Peregrino, que tanto deu em que entender à Espanha. Tinha o cabelo que mostrava haver sido louro, faces vermelhas e bem disposto, só, em um cavalo castanho-escuro.

Foi pousar na estalagem de Francisco Lourenço, era pela manhã e já não achou missa; pôs-se logo a rezar, visi­tou o convento e nele ao Superior Fr. Roque de Soveral a quem mostrou trazer o Bentinho da Ordem de Cristo, de que era cavaleiro e lhe deu dois registos, um de Cristo com a Cruz às Costas, para que o desse ao D. Prior Fr. Custódio Falcão como visse, que era, fora. O outro de Santa Helena com a Cruz, para ele Fr. Roque e ambos muito bem ilumi­nados e em pergaminho respançado; e lhe disse sempre por muitas vezes o encomendasse a Deus e esta era a resposta que dava quando lhe perguntava Fr. Roque quem ele era. E lhe respondeu que como era da Ordem de Cristo, não quisera passar por ali, sem dar obediência a seus Prelados. Pediu-lhe Fr. Roque ficasse lá no Convento e nunca o pôde acabar com ele. Falava pouco e nunca deu mercê, nem paternidade a pessoa alguma. Ali se confessou e ouviu a missa, isto no dia seguinte quarta-feira a que lhe disse o Pe. Fr. Matias d'Aguiar e lhe deu comu­nhão; e afirmou este Padre que aquele era El-Rei D. Sebas­tião porque o Pe. era muito velho e o havia muito bem visto, quando El-Rei era moço. Foi-se dali para a estalagem e nela ajustou contas, pagando o que devia e se partiu e foi jantar naquela quarta-feira duas léguas de Tomar de modo que no povoado pagava muito mais. Dali onde havia dois para três meses andava um navio ao pairo e ali se ajuntaram onze homens a cavalo, que com ele e com os cavalos se embarcaram no dito navio e não se soube mais deles. Disse o Pe. Fr. Roque de Soveral, que vinha de Jerusalém e lhe mostrou em um braço, um sinal que lá costumam pôr aos peregrinos.

FGA-Falsos D. Sebastiões 2

Neste tempo reinava em toda a Espanha D. Filipe IV, era Presidente do Tribunal do Paço, D. António Pereira, o Beatão, da Casa da Feira, o qual mandou tirar grandes pes­quisas deste caso, por um homem de seu nome António Pe­reira de Sousa, o Tortinho, que depois foi procurador da Coroa, por morte de Tomé Pinheiro. Era o Tortinho nesse tempo Corregedor naquelas partes. As mesmas diligências fez também Nicolau de Brito Cardoso por ser Juiz de fora em Tomar e naqueles dias se achava em Santarém, onde ao presente também assiste por Juiz das Valas. Ele me contou tudo o que aqui é relatado e mo deu por escrito em a tarde dum Sábado, 15 de Julho de 1662, em sua casa na rua dos Cónegos, servindo de Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação. Dizendo-me mais, que o tal peregrino dera em Tomar algumas esmolas e que se parecia tanto com o Pe. Fr. Pedro Ramalho, Religioso muito velho da Ordem de Cristo, que se dizia, é Fr. Pedro com barbas e pelo Frade diziam, era o peregrino com elas; e ambos se pareciam muito com os retratos que há-de El-Rei D. Sebastião em velho.


Do livro “Feiticeiros, Profetas e Visionários – Textos antigos Portugueses” – Casa da Moeda – Biblioteca Nacional, 1981
 










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