Autor. Júlio da Costa Carvalho
SBN
9789899766433
Editor: PM Media Corporate
Idioma: Português
Dimensões: 192 x 258 x 25 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 368
Neste livro, cuja capa é da autoria da pintora Graça Morais, o autor reuniu uma série de escritos sobre a temática da caça, que vão do lirismo trovadoresco aos nossos dias, escritos por grandes vultos da literatura portuguesa.
Somos
Bragança. E os bragançanos, ufanos do seu rincão, celebram mais um ano
da sua cidade, fazendo vincar que se trata da nona cidade mais antiga do
país.
Em tempos não muito recuados, Santa Rita Xisto, estudante talentoso em
dias de boémia, denominou-a de Coimbra em miniatura. E a cidade foi
crescendo. Ultrapassou as costuras dos seus limites. O Fervença parece
pedir meças aos rios de grande caudal. As ruas alargaram-se e
alindaram-se. O comboio de grandes recordações, inopinadamente
subtraído, foi substituído pelos modernos autocarros que atravessam
Portugal do Minho ao Algarve. Gente capaz, briosa e de talento tenta
mostrar a cidade ao país, orgulhando-se do trabalho feito.
As Escolas não param. O Instituto Politécnico vai atraindo gentes e faz
gala de ter dentro de si uma investigadora de nível mundial. Honra ao
mérito. A edilidade não esqueceu e em momento aprazado todos aplaudiram.
O trabalho, muito trabalho a merecer honras e a ecoar nos presentes.
A cidade está viva. Desafia o conhecimento. Agentes locais espraiam-se
no desenvolvimento. Praticam a memória. Mnemósine não descansa.
Festeja-se a palavra e mostram-se as capacidades.
E Bragança acontece. Em Bragança vai acontecendo. A inquietação e a
insatisfação são marcas de água das gentes que não se acomodam e tentam
perpetuar talento e saber, desafiando outros que virão na sua esteira.
A realidade inspira-nos. O trabalho, o lazer e a diversão cabem em nós,
porque não partilhar com os outros, lembrando tempos vividos?
Júlio Carvalho que se afirma desconhecido caçador, mas que aprecia a
arte de caçar, cidadão de um Portugal de algures, que um dia foi de
abalada por terras de Vera Cruz, onde se fez homem e estudou, em
Bragança criou raízes. Fez amizades, afinou o verbo e ensinou. Escreveu.
Escreveu muito e oralizou mais e um dia ambicionou legar o que fez dele
gente: um livro.
A Caça na Literatura Portuguesa, na sua dimensão, que saibamos, é um
livro inédito nas nossas letras. Pires Cabral já havia escrito Páginas
de caça na Literatura de Trás-os-Montes, outros à caça dedicaram o seu
saber, lembremo-nos de A caça na sociedade aristocrática dos séculos XII
a XV, de Vera Grilo. Júlio de Carvalho foi mais longe, distanciando-se
dos seus prógonos. Servindo-se de 188 obras, de 110 autores, em cerca de
350 páginas de texto, sete de bibliografia e 277 notas de rodapé, numa
pesquisa condicionada à sua biblioteca, “convida-nos” a entrar por um
acervo com limites a quo e ad quem que vão do lirismo trovadoresco aos
nossos dias. Oito séculos de literatura escalpelizados com cuidado,
tentando mostrar ao público uma riqueza que ficará para a posteridade.
De modo cauteloso, onde não falta o “tolerante leitor”, como se de
Garrett se tratasse, num registo parecido, em tom simples, coloquial e
acessivo, utilizando o pronome pessoal na primeira pessoa do singular,
estabelece com o leitor uma relação de intimidade e de aproximação que
nos convida à integração subtil e despreconceituosa. Com uma ligeira
incursão na Pesca. No Rio Baceiro e na Castanha, parece que
Trás-os-Montes se aproxima de nós, como se tudo nos pertencesse e
entrasse pelo nosso olhar, comungando cheiros, sabores e tudo o que os
sentidos absorvem.
À maneira dos compêndios que preencheram épocas em que o estudo da
Literatura Portuguesa constituía matéria obrigatória nas nossas escolas,
hoje arredada dos estudos, numa época em que os complementos
oblíquos(?) ocuparam o lugar dos complementos circunstanciais, o autor
lembra a divisão cronológica dos vários períodos da Literatura
Portuguesa, matéria pouco interessante nos tempos que passam.
Que importa saber se Almeida Garrett é romântico ou medieval? Basta
saber que escreveu Frei Luís de Sousa e já chega, isto antes de se
processar a redução das aulas da disciplina de Português e fiquemos
reduzidos à leitura dos livros que ocupam os pódios das livrarias, com
Cristina Ferreira e Fátima Lopes no comando, com Rúben Rua à ilharga.
O livro é escrito por quem sabe da poda e não esqueceu. Começou de
forma exemplar a caça no período galaico-português, com uma cantiga de
Pero Meogo, escrita por volta do século XIII, citando os Cancioneiros da
Biblioteca Nacional, Colocci- Brancuti, da Vaticana e da Ajuda, entra
pela Poética Fragmentária distinguindo Cantigas de Escárnio e Maldizer.
De um modo geral, os autores são devidamente identificados através de
datas. Para o estudioso da Literatura, na nossa presença, um texto
didáctico, como se todos os livros não o fossem, peço de empréstimo a
afirmação a José Saramago que, também, é citado em Levantado do Chão e
Memorial do Convento.
Um trabalho de pesquisa, de não curta duração. Tarefa de investigador
que entre o muito que lhe é proporcionado, tem de encontrar o documento
exacto, resultado de muita paciência, dedicação e esforço. Para quem
conhece Os Lusíadas, não terá descoberto entre 1102 estrofes, i.e., 8816
versos, a existência de marcas de caça? O autor esteve lá e encontrou.
No Canto IX, das estâncias LXIII à LXXV.
Da Fénix Renascida, edição de 1746, adquirida num alfarrabista, do Rio
de Janeiro, proporciona-nos cópias, transmitindo mais verdade à
informação.
Embora confesse que um trabalho desta natureza “ será sempre
incompleto”, esforçadamente, vamos ficando com um retrato dos vários
autores que à caça dedicaram algo da sua verve. Chegados a Guerra
Junqueiro ( pag. 205) é altura para saber que o autor, em cargo de
responsabilidade no Governo do Distrito, degustou o vinho do poeta,
néctar que o conduziu à valorização da leitura d’Os Simples, Os Contos
para a Infância, a Oração do Pão e a Oração da Luz.
Dos Modernistas, de entre eles, descobrimos na sua desmultiplicação,
Bernardo Soares, em O Livro do Desassossego, manifestando-se em
vestígios de caça, o mesmo acontecendo em Almada Negreiros.
De Fausto José (1903-1975) que na Presença debitou algo do seu talento,
foi buscar Júlio Carvalho, amostras de caça, em obra publicada pela
Câmara Municipal de Amares, onde o presencista foi presidente, “cargo
que não apreciava” porque “o enredava em pequenas questões de ordem
prática”.
Miguel Torga, António Botto, Alves Redol e Fernando Namora, são
alguns dos muitos escritores citados. Manuel Alegre que à caça dedica
muito do seu lazer, mostra a sua versatilidade em Cão como Nós, fechando
o leque de escritores; mas se aos conhecidos foi dado o espaço
devidamente merecido, antes, um menos conhecido, a despontar na odisseia
da escrita: Carlos Campaniço, nascido em 1973, director de Programação
do Auditório Municipal de Olhão.
Impossível terminar sem uma palavra de regozijo e um encómio por um trabalho
produzido para a comunidade, por um agente cultural que, no entusiasmo
do seu viver, deu um passo em frente na Literatura de Portugal, neste
Nordeste Transmontano.
Um cívico, ao mesmo tempo um estudioso que um dia percorreu os bancos
da Escola ensinando, e que se obstina no conhecimento, continuando a valorizar o que
vale a pena aprender: caça e livros, num binómio conjugável.
Lembrar hábitos da nossa gente também é Literatura. E foi Literatura
que se construiu em Bragança, em dias e noites em que o clima espreita e
nos torna mais solidários. Afinal, o frio também é inspirador.
A caça aguça o engenho e o desconhecido caçador veio a terreiro e
disse: leiam, este livro, é vosso, A caça na Literatura Portuguesa, do
lirismo trovadoresco aos nossos dias.
Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico.